quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Tempo é uma coisa da sua cabeça

Algumas pessoas afirmam com toda a certeza que uma
máquina do tempo não existe e nem existirá, pois se existisse
já deveria ter sido inventada. Pessoal ansioso, né?:-P
O post que ia colocar aqui essa semana é uma crítica à incessante busca pela felicidade, mas resolvi deixar esse tema para semana que vem. Achei o comentário do Elric no meu último texto tão bacana, que ele me deu mais ideias para a discussão sobre o presente que comecei semana passada.

Para quem ainda não leu e está com preguiça de ler meu último texto, ele fala sobre a possibilidade de ficar presente em suas ações, sobre ficar auto-consciente e de como este estado não pode ser acessado só pela mente e sim através da adoção de uma postura que descrevi como “ficar aqui e agora”.

Neste texto, respondendo ao comentário do Elric, aprensento a minha noção de tempo e de como ela se relaciona com “ficar aqui e agora”. O comentário do Elric na integra é esse aqui:

“Muito massa o texto! Principalmente quando você relata esse fato como uma ficção para amarrar o leitor ao seu objetivo final. Em certa maneira tendo a discordar de como você escreve sobre o presente e o modo de compreende-lo. Nunca vivenciamos o presente que você descreve, "o aqui e agora" isso para mim não é real, nos ancoramos ao presente somente fisicamente, todo nossos sentimentos, pensamentos e ideais estão presos no passado ou no futuro, não que se possa viajar no tempo, mas nossa mente faz essa viajem a todo instante e dessa forma é jogado de lado o "presente sensitivo",e em alguns momentos o presente físico. No seu relato se você pensar corretamente sobre as sensações, essas foram vivenciadas de alguma maneira, talvez em um momento especifico da sua vida que não foi descrito nesse texto. Uma vez você me disse que nunca provamos algo de que não gostássemos, e sim que tivemos uma sensação ruim sobre aquilo. E isso que eu quero deixar claro você não toma decisões no escuro e vivencia completamente o presente que as sensações oferecem, e sim já está tudo pressuposto. Na minha cabeça quando designamos esse "viver o presente" demonstra como queremos e tememos por algo não conseguimos controlar e nem existe, o tempo! Coisa de louco :D"

Muito obrigado por comentar, Elric! Achei seu comentário gênial!

E também achei fenômenal a sua percepção sobre o tempo, principalmente quando você comenta sobre ele neste trecho:

"Nunca vivenciamos o presente que você descreve, "o aqui e agora" isso para mim não é real, nos ancoramos ao presente somente fisicamente, todo nossos sentimentos, pensamentos e ideais estão presos no passado ou no futuro, não que se possa viajar no tempo, mas nossa mente faz essa viajem a todo instante e dessa forma é jogado de lado o "presente sensitivo",e em alguns momentos o presente físico"

e também neste:

"Na minha cabeça quando designamos esse "viver o presente" demonstra como queremos e tememos por algo não conseguimos controlar e nem existe, o tempo!"

O tempo não existe! E mais: o tempo todo nossos pensamentos e ideais estão presos no passado ou no futuro.
Mas como isso acontece, se o tempo não existe?
Concordo com você, mas isso é realmente uma coisa de louco...

Pode ser que isso aconteça por que a forma como percebemos o tempo seja nos pautando em memórias e expectativas. Isso pode ser notado na forma como construímos o passado, nos pautando em memórias, sejam suas ou de outras pessoas ("Aconteceu aquilo sim!Eu me lembro" ou “aconteceu em 1889, li no meu livro de história”), ou na forma como concebemos o futuro, nos pautando em tentativas de previsões (“amanhã vai fazer frio, a última vez que o tempo ficou assim fez um frio danado!”). Por aí, da pra perceber que as nossas concepções de passado, presente e futuro estão intrisecamente ligadas a memórias e expectativas.

Ora, se acho algo bom ou ruim, é muito provavel que seja por que senti prazer ou dor na experiência que tive com aquilo, ou com algo que considero semelhante àquilo, em algum momento passado.
_ E que passado é esse?
_Ué, aquele de que me lembro!
_E onde está essa memória ou conhecimento que você acessou?
_Na minha mente.
_ E onde sua mente está?
_Em mim, oras!
_E onde e quando você está?
_ Aqui e agora.

Ou seja, o passado é uma construção imaginária que você faz no agora. O mesmo vale para o futuro. O que quero dizer é que o tempo nada mais é do que uma das formas de percepção da mente que orientam a construção dos nossos padrões de definição de realidade e do mundo.

Assim como você disse, eu não poderia dizer que a tinta do portão é vermelha ou que o café é amargo se não tivesse experimentado algo antes que me possibilitasse estabelecer um padrão de cor (vermelho), de sabor (amargo), de objetos (portão), de substâncias (tinta) ou de bebidas (café). Assim como essas categorias também não podem existir fora da minha mente, sendo elas criadas por mim – minhas memórias e ideias – ou não – os conhecimentos que adquiri e os padrões sociais que sigo. O mesmo vale pro tempo, que é mais uma dessas categorias que a nossa mente acessa.

O tempo não existe fora da minha mente, nem da sua, nem da mente de ninguem! Mas isso não significa que ele exista fora de uma mente. Tal constatação se torna mais evidente quando investigamos o passado: se não nos lembrassemos de nada a nenhum momento, com certeza duvidariamos da existência do tempo.

Se o tempo é um padrão de percepção que só existe na mente, e eu não posso denominar, descrever ou determinar minhas ações sem criar ou recorrer a padrões, como se torna possível “ficar aqui e agora”? “Aqui e agora” não podem ser acessados desligando sua mente, construindo novas categorias de análise do mundo ou tentando fugir do processo de significação que a mente normalmente faz. Mas também, não podem ser acessados se apenas ficarmos de braços cruzados colocando a vida no piloto automatico – tornando-nos escravos inconscientes de nossos próprios pensamentos, processo bem semelhante àquele que os animais fazem com seus instintos e condicionamentos.

“Ficar aqui e agora” é estar consciente da sujeição às construções que você mesmo se impõe no agora, sem negá-las. Sejam elas categorias de tempo, cores, objetos, certo, errado, bom, ruim, etc. “Ficar aqui e agora” é se perceber em si. Perceber isso é conseguir se perceber como agente e ação. É estar no domínio de si.


Isso é fácil? De jeito nenhum!
Impossível? Não faço nem ideia!


Toda essa conversa me fez pensar em duas coisas:

1ª - O tempo não existe fora da mente, tampouco passado e futuro. As coisas não estão no agora, tudo é agora, inclusive sua mente, o passado, o presente e o futuro. Nós só ainda não nos damos conta disso (que seria "ficar aqui e agora").

2ª - A negação da inexistência do tempo é um reflexo da sede de auto-afirmação do próprio homem, pois se o homem não se pautasse em suas memórias não conseguiria se reconhecer como ser existente, “ficar aqui e agora” seria questionar até mesmo o teor de realidade dessa auto-afirmação.

O que vocês acham disso? Loucura, idiotisse, efeito de drogas, todas as alternativas anteriores ou frases com algum sentido?

Respondam , comentem, critiquem e atêem fogo aí nos comentários que a gente continua a discussão. ; )

P.S.: Sei que posso estar ignorando várias (ou todas) as linhas de pensamento da filosofia e da física que trabalham com o conceito de tempo, mas deconheço muitas delas e, as poucas que li, eu não entendi. Então, se tiverem sugestões de filmes, livros, filósofos, escritores, cientistas ou outras fontes que falem sobre a definição de tempo e presente, coloquem as ideias deles (e as suas!) aí nos comentários para agregar ou contrapôr os argumentos apresentados.

P.S.2: Semana que vêm, como eu já disse, vou postar um texto que faz uma crítica à incessante busca pela felicidade. Se tiverem ideias, sugestões, experiências, indicações de livros, filmes e blogs ou relatos interessantes sobre o assunto, coloquem aí nos comentários ou mandem para o meu e-mail : lameiralucas@gmail.com

P.S.3: Se também tiverem sugestões de temas a serem discutidos e outras ideias para o blog, estou bem aberto a recebê-las. Também estou aceitando a possibilidade da elaboração de textos em conjunto ou mesmo de autoria exclusiva de outras pessoas para postá-los aqui (com os devidos créditos, lógico!). Para mais informações, me mandem um e-mail, me sigam no twitter ou me adicionem no facebook. Conversamos por lá! = )


segunda-feira, 25 de julho de 2011

Ação, presente e pretensão

O som estridente do despertador on-line me acordou às 6 da manhã. Não me assustei nem me rendi a mais cinco minutos de sono. Levantei, calcei meus chinelos e arrumei a cama. Senti o sono passar. Saí do quarto e liguei a luz da cozinha. Fui pro banho. Senti cada uma das texturas que minha pele tocava: o lençol da cama, o plástico do interruptor, o material emborrachado do chinelo. Não havia nenhuma melodia imaginária tocando na minha cabeça. Não havia nenhum pensamento atravessando aquelas sensações. Nenhuma lembrança do dia anterior vinha me distrair. Nenhum lembrete do que deveria fazer vinha me atormentar. Havia só o agora. Naquele momento eu me senti vivo, me senti presente.

Quando a água morna do chuveiro começou a cair no meu corpo, veio o primeiro pensamento: “E se continuar assim o dia todo?” “Se continuar assim posso prestar atenção em tudo!” “Isso é muito legal!” Destes primeiros pensamentos brotaram as primeiras imagens. Em algumas, dava ótimas respostas de imediato às pessoas que imaginava encontrar no meu dia. Em outras, ajudava as pessoas e elas se surpreendiam com a minha agilidade. Me lembrei de uma cena do filme Homem-Aranha em que Mary Jane tropeça e, acidentalmente, joga a bandeja com seu almoço pro alto. Peter, em segundos, segura a garota e ainda pega a bandeja no ar com o almoço dela completamente intacto. Me imaginei fazendo isso. “Quanta pretensão!!” Percebi que estava pensando e o que estava pensando. Ri de mim mesmo pelo meu pensamento infantil. Voltei a atenção para o que estava fazendo. Mais de quinze minutos se passaram enquanto fui do banho para as telas de cinema. O banheiro já estava cheio de vapor. Me desafiei: “Vou ficar 24 horas completamente atento.” Passei a chave do chuveiro para Verão. “A agua fria vai me acordar de novo”. A agua fria me tirou o folêgo. Não estava preparado para aquilo. Pensei em em voltar a chave para Inverno. Pensei em sair da água. Mas meu orgulho gritou:“FIQUE!” Aos poucos o vapor se dissipou. O espelho desembassou.Vi o amanhecer pela janela. Senti o perfume do sabonete, meu mau-hálito, minha pele molhada e meus dentes batendo. Um latido de cachorro se misturava ao som dos primeiros carros que passavam na rua. Estava atento nos meus cinco sentidos de novo. “Fique aqui e agora!”. Esse pensamento era o único pensamento que permanecia. Era como um mantra, repetindo-se incessantemente. “Fique aqui e agora!Fique aqui e agora!....”

O pensamento tomou corpo. Se dissolveu como pensamento e se tornou ação. O café estava amargo, doce e quente. As grades do portão eram asperas por causa da velha tinta vermelha que descascava. O banco do ônibus era quente e macio. Senti as botas que calçava a cada passo que dava. Senti meu diafragma se comprimir a cada vez que inspirava. Percebi que o perfume da mulher que trabalhava ao meu lado era doce, que as teclas do computador eram asperas e que a textura do papel em que eu anotava recados era macia. Naquele dia nada era bom ou ruim: as coisas simplesmente eram. Tudo era novo mesmo sendo velho. O exótico se apresentava na mesmíssima rotina diária que conhecia há anos. Parecia que eu havia acabado de nascer, que não conhecia padrões, que toda sensação era uma nova descoberta. Gostei daquilo e pensei no tempo que vivi fora de mim, me projetando em milhares de outros “eus” ideais. Fiquei pensativo, percebi o quanto desperdicei minha vida. O arrependimento veio como uma onda.Tropecei no pé de uma mulher neste instante. Percebi que estava pensando e o que estava pensando. Retomei o desafio.

A tarde, conheci uma garota no ônibus. Os olhos dela me chamaram a atenção. Perguntei sobre o livro que lia e percebi que a havia fisgado de algum pensamento profundo quando ela se assustou com a minha voz. Olhando nos olhos dela eu permaneci atento. Vivi toda a conversa com tudo o que podia sentir e de todas as formas que podia responder. As falas eram impessoais, mas a conversa foi completamente íntima. Falavamos sobre um autor, mas moviamos os olhos, respiravamos e nos posicionavamos ali como se dançassemos com todos os nossos sentidos. Ela me disse seu nome e me passou seu e-mail no último instante antes de se levantar para descer. Desceu dois pontos antes do meu. Lembrei de todo o meu dia. Me senti vivo. Estava no domínio de mim. Fiquei impressionado.

Desci do ônibus empolgado com a idéia de viver isso mais vezes. Senti a necessidade de compartilhar isso com alguem, passar isso adiante de alguma forma. Pensei em escrever um texto para um blog que prometi criar a algum tempo. Começar falando de algumas pesquisas sobre a falta de atenção das pessoas no trabalho e na propria vida. Depois falar sobre as inúmeras descobertas que a atenção ao presente pode proporcionar. Falar como um blog poderia ir além da mera pretensão de um autor em dissertar sobre o universo dentro de seu umbigo e do quanto que encarnar a própria vida pode ser mais enriquecedor do que narrá-la compulsivamente.

Foi assim que comecei esse texto, querendo falar de atenção, de estar presente e de encarnar seu próprio corpo.

De tudo o que disse que ia fazer ficou só a pretensão. Escrevi várias linhas de texto em primeira pessoa, narrando um dia que nunca aconteceu. Criei uma ficção para falar de ação. Da primeira à ultima linha eu acreditei estar completamente atento, mas ignorei o “bom dia” da minha irmã e minha mãe me chamando pro almoço. De tudo que pretendia fazer, se realizou só a criação do blog e do texto. Não consegui estar presente durante toda esta manhã justamente por tentar prender o presente, amarrar a lógica do texto e capturar a sua atenção. Se me soltasse mais, não me apegasse a um texto ou a esperança de que alguem me mandasse um texto do tipo “manual de instruções: como ficar presente” provavelmente eu conseguiria ficar presente. Porém , mesmo este pensamento, não passaria de uma fórmula para a mesma coisa tentando enganar seu próprio autor . Foi assim que eu cheguei a conclusão de que não existe nenhuma outra forma de estar presente a não ser ficar aqui e agora.